MAR IGNÓBIL

MAR IGNÓBIL
LIVRO LANÇADO EM 2010

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Mar dizível

Se a quilha do navio deixar trilha, o mar é dizível
nas velas desfraldadas em tímpanos dos ventos,
ventanias sibilantes das alvas e crepúsculos ou tempestades,
(mesmo sob a hora perpendicular do sol),
quando os seres abissais refugiam-se em maiores profundezas.
E o espírito goliardesco dos marujos está atento aos riscos,
aos riscos que a quilha do navio abre no mar;
no mar que não quer a demanda do navio ao porto.
O mar que engole com suas línguas todos os segredos;
o mar que aprisiona as sereias em enseadas e pedras;
o mar dissimulado das calmarias e do tédio;
o mar que invade grutas onde há a solidão dos náufragos;
o mar da ilha de Tortuga mergulhada em sangue,
o mar das pilhagens de navios por piratas da Somália,
o mar onde as cicatrizes abertas pela quilha se fecham
na esteira de espuma da popa, onde não há lanternas,
mas há o convés mais largo,
não infenso a solidão dos marujos e ao desespero.
Local que só interessa ao astrolábio pela existência do leme,
quando o horizonte é redondo e não há terra à vista.
Quando no passadiço o timoneiro importa igual ao Comandante
e cada membro da tripulação é uma célula viva da nave de ferro.
De fato, sem o fiel da aguada não há água doce,
e a água do lastro não é potável para ser bebida.
Sem o Contramestre o Oficial não descansa e a maruja
dorme no posto, na hora errada, no mar errante dos naufrágios torpes,
mesmo antes de serem lançadas espias aos cabeços dos portos
para surtar o navio depois do aviso apitado da ramonagem,
que alegra as mulheres das urbes portuárias e as do cais do retorno,
antes que a caldeira se apague e o navio durma um sonho,
no sono dos marujos ratos de bordo e dos que baixam terra,
na hora em que a noite é lançada como tarrafa sobre o oceano.

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