MAR IGNÓBIL

MAR IGNÓBIL
LIVRO LANÇADO EM 2010

domingo, 30 de outubro de 2011

Um erro paralaxe

O distanciamento temporal permite a nós médicos falarmos dos nossos erros. O Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro chegou a publicar um livro chamado Erros médicos, com alguns casos pitorescos outros para reflexão. Creio que meu conto/causo tem essas tintas desses dois matizes.
Meu primeiro emprego público foi no Batalhão de Choque da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Um primo de meu pai, Coronel Firmo Ferraz, era Diretor de Saúde da Polícia Militar do RJ. Naquela época nem conhecia a palavra nepotismo, que existe no Brasil até hoje.
Um pediatra atende adulto, mas são raros os clínicos que atendem crianças. Nessa de atender oficiais e soldados daquela Organização Militar, um dia um Sargento entrou no consultório do Departamento de Saúde.
Sentou-se e disse “Doutor acho que estou com problema de impotência sexual.”.
“O que está acontecendo?”
“Antes eu mantinha dez relações por noite, agora só consigo manter cinco.”
Inexperiente, contive o riso. Fiz o exame clínico: normal. Perguntado se fazia todo o treinamento físico militar respondeu que sim.
“Quantos anos o senhor tem?”
“Quarenta e sete.”
“Eu tenho apenas vinte e cinco. Consigo ter três relações por noite sem me cansar, o senhor está melhor do que eu.”
O Sargento que chamarei de Waldir – não posso dizer o nome dele – saiu de cabeça baixa. Pedi que entrasse o próximo militar.
Uma semana depois, Waldir entrou no consultório e partiu para cima daquele médico jovem para esmurrá-lo. Empurrei a mesa, ficamos cada um de um lado. Consegui virar a mesa e Waldir ficou ao fundo do consultório e saí à procura de ajuda.
O Comandante do Batalhão de Choque me chamou e perguntou o que teria dito ao seu subordinado para que tivesse aquela reação violenta.
“Não sei...”
De noite, dormi intranquilo. Comecei a pensar de fato na possibilidade do paciente estar impotente. Diabetes Mellitus causa problemas de ereção. Era da alçada do urologista avaliar o caso, depois que eu pedisse alguns exames de sangue. No dia seguinte, conversei com o Comandante, expliquei que Waldir sentira vergonha de dizer que não estava conseguindo nada, talvez até estivesse com problemas conjugais. A prisão foi relaxada e não constou nos assentamentos da caderneta do militar. Fiz os pedidos de exame de sangue e disse que assim que estivessem prontos marcasse uma consulta com o urologista.
Final alternativo: Não fiz nada disso e só compreendi o que acontecera quando já era tarde para mudar a situação.
Com essa história aprendi que o modo de um paciente se comunicar pode dificultar ao médico saber o que de fato acontece. Paciente nunca fala besteira. Tudo é pertinente.