MAR IGNÓBIL

MAR IGNÓBIL
LIVRO LANÇADO EM 2010

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Hotel cinco estrelas

Um dia o playboy surgiu na nossa vida. Não tinha irmãos, mas tinha uma irmã. Éramos dispersos. Mas nos reunimos sob a liderança do alemão para decidirmos o que fazer com o intruso metido a besta que dera um cascudo num colega de classe franzino. Que estória é essa de chegar aqui com essa banca toda?!... Foi mal, agora eu deixo ele me dar um soco na cara. Reunimo-nos em volta e a vítima, hesitante em relação a dar o troco, resvalou um soco na bochecha do intruja. Quero paz e amizade. Está bem. Agora éramos cinco, nós quatro e o metido a besta. Morava no Leblon, viera morar no Rocha, bairro do subúrbio carioca, por causa de problemas financeiros da família. Prazer, Hans, disse o alemão. Sou o Luciano, disse o afro-descendente com sua voz de âncora de jornal de TV. Sou o Domingos, disse o filho do português dono de boteco. Sou o autor desta crônica caros leitores e não disse nada, embora descenda de lusitanos e suíços. Então Luís propôs nos tornamos irmãos. Ok, mano, disse o Hans. Mas você precisa consertar esta calça pescando siri para ir ao Leblon, isso parece mais uma bermuda. Meu pai tem uma confecção, vai por mim, sei o que é moda. Passamos a nos reunir, menos para estudar do que para conviver. O alemão morava no bairro de Santa Tereza e o playboy tinha sua própria turma no Leblon, mas então era um sem teto naquele lugar melhor do mundo. Subimos o morro de bonde, fizemos festas na casa de Seu Hans, pai do nosso amigo, músico violoncelista da Orquestra de Câmara da Sala Cecília Meirelles, criador de guppies, gostava de cruzar os peixes ornamentais, coisas de interesse por genética. Na casa do Seu Hans, vindo para o Brasil no intervalo entre Guerras Mundiais do Século XX havia um tanque com uma pirambóia, único peixe pulmonado do Brasil. Dois pezinhos, um de cada lado do corpo preto de chouriço. Uma boca banguela. Dois olhos oligofrênicos. Balançava o rabo no fundo do tanque e depois o aquietava para o limo cair encima, antes que dobrasse como uma colher para enfiar na boca e alimentar-se. Tinha também um cachorro africano com pele de porco, uns parcos cabelos ocres na cabeça e uma mansidão sem fim. Mas o pai do alemão adoeceu, começou a urinar pedras, a eliminar pedras através da pele. Nosso amigo disse que precisava ir embora de casa porque a barra estava pesada. Mas não tinha dinheiro para pagar a inscrição no Concurso para Sargento Especialista da Aeronáutica. Estávamos então no último ano do ginásio ou primeiro grau, como é dito agora. O playboy sugeriu fazermos uma vaquinha para pagar a inscrição. Fizemos. Vida que segue. Hoje o Hans é Sub-Oficial reformado da Força Aérea Brasileira. Luís conseguiu ir morar no Leblon porque herdou de um tio ex-pracinha um apartamento no bairro que ama. Tenho cinco irmãos, todos no Rio de Janeiro, mas quando vou à urbe da minha natalidade. Fico na casa do meu compadre. De todos mencionados nunca perdi o contato com o playboy, dono de uma vídeolocadora de vasto acervo Cult – em geral assim é chamada a cultura, hodiernamente – além dos filmes comerciais de boa locação. Quando morou em Salvador fui visitá-lo de navio como médico de bordo do Contratorpedeiro Mato Grosso. Morei em Vila Isabel e, regressado ao Rio de Janeiro, o mano tinha a chave de meu apartamento. Frequentava-o para namorar a Lea em tempos de dureza nos dias de minha ausência por motivo de viagens ou plantões. Quando serviu como controlador de voo na Base Aérea de Lagoa Santa, o alemão teve um sítio perto para plantar, conforme declarou, linguiça e macarrão. Como militar foi a única vez que exerceu atividade não remunerada extra-serviço na ativa. O negrão, hoje, é engenheiro e nos reencontrou pela internet. O filho do portuga é engenheiro naval. Ontem mesmo estive na casa do meu compadre playboy para festejar o aniversário de minha afilhada Laura. Aquele lar é o único local onde tenho um hotel cinco estrelas da amizade. Lanche na padaria e, mais importante que tudo, nas calçadas a vida animada da zona sul.

Nenhum comentário:

Postar um comentário