MAR IGNÓBIL

MAR IGNÓBIL
LIVRO LANÇADO EM 2010

quinta-feira, 3 de junho de 2010

ELOGIO DA MADASTRA – MITOLOGIA, HUMOR E EROTISMO NUM ROMANCE DE MARIO VARGAS LLOSA.

Prolífico como romancista, o escritor peruano Vargas Llosa nunca se repete, mesmo quando coloca sua pena num mesmo viés literário. Num tempo de ambições de ultra contemporaneidade, negação da força do mito em prol duma suposta originalidade, em seu romance Elogio da Madrasta, é Eros, em sua plena imaturidade, antes do encontro com Psiquê, na figura do menino Fonchito, um pré-púbere, o principal personagem. Traquina como Huckleberry Finn, toda sua astúcia consequentemente inconsequente, feita para divertir o leitor, volta-se para o poder da sedução de Eros, de uma inocência terrível, sem culpa, como é o sentimento do amor pueril sem freios, por ser ainda paixão sem medida – amor em semente, desejo alienado dos sofrimentos que pode causar, dos dramas, das relações humanas como são, ou como foram humanizadas à revelia dos instintos e espontaneidades do ser, antes que as sementes do bem e do mal fossem plantadas nos corações e mentes.
Personagem enigma?
Vargas Llosa nos remete a uma condição de leitor em puro prazer da leitura, provoca uma empatia com o protagonista, uma compaixão pelos deuterogonistas, seu pai Dom Rigoberto, sua madrasta, a criada que tudo percebe de sua posição servil; criada que é o único liame crítico mantido pelo autor com o mundo real e suas regras de interditos; incitando em quem lê o sentimento de cumplicidade, de ser dominado pela leitura, de manter em segredo a intimidade daquela família e os rumos que as relações interpessoais tomam sob o domínio de Eros.
Força da mitologia num romance de renovação literária, auto-compaixão, servilismos dos sentimentos erógenos mais puros ao poder de Eros, retorno a dizer, em sua fase mais pueril e encantadora.
Livro essencial para os céticos, para os que em detrimento do interesse da cultura clássica se auto-denominam pós-modernos, pós - tudo; mas que são apenas pós-apocalípticos, por terem destruído a base cultural onde mesmo os mais inovadores escribas vão beber na fonte.
Romance de redenção do mito. Mais poderoso que o Caim de José Saramago e o de Márcia Denser, lidos um após o outro e casados um com o outro numa perspectiva intertextual.
Livro que redime o pré-púbere de todas as culpas incestuosas ou auto-destrutivas. Livro para ser discutido por pedagogos e psicólogos; psiquiatras infantis que medicam crianças hiperativas, desconsiderando suas pulsões da libido ainda em estado pré-consciente, sem formações reativas, sãs, em estado de diamante bruto; não por sua falta de delicadeza, mas apenas por termos sido todos nós um dia como Eros, olimpicamente picarescos, de uma inocência digna de todo respeito.
Texto que faz questionar a existência do ser polimorfo perverso freudiano por uma perspectiva romanesca distante de qualquer teoria, por isso mesmo transcendente e por isso mesmo mitológico e essencial.

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